quinta-feira, 24 de junho de 2010

Contos Migrados de meu antigo endereço

Sanguínea

O Gárgula tenta voar de volta para o seu lar, mas está fraco demais. E a tempestade de neve paralisa ainda mais seu corpo ferido, corpo surrado que abriga sua alma sofrida…
E bem alto, entre as nuvens, o Gárgula percebe que não pode lutar contra a natureza. A força da tempestade é monstruosa, os ventos cortantes e gélidos certamente o matarão.
E num ímpeto de sobrevivência, o Gárgula gira em torno de si mesmo e joga-se no abismo. Com suas asas recolhidas, e com o rosto virado para o abismo, ele cai numa velocidade espantosa. O vento arranca lágrimas de seus olhos.
A queda se aproxima…
Mas quando o chão está próximo, ele abre novamente suas asas e aterrissa suavemente. O frio continua intenso, seu corpo congela sob a neve.
E encolhido, abraçando a si mesmo, ele caminha com dificuldade.
O frio, a neve, o vento gélido da tempestade… o Gárgula quase não enxerga. É difícil caminhar de volta ao lar. Tudo é frio, mas ele caminha, porque dentro dele uma dor o aquece.
É a dor do arrependimento.
Será que ela o aceitará de volta?
Desde que partiu, afirmando nunca mais voltar, o Gárgula não consegue tirar Sanguínea de sua cabeça. A sua rainha eterna, o seu único amor, sua deusa… Sanguínea…
Caminhando com dificuldade sob a intensa neve, ele lembra dos acontecimentos, as cenas que não lhe saem da cabeça.
Sanguínea abraçada ao seu prometido rei, o príncipe que surgiu do nada e permaneceu abraçado a ela, diante dos olhos do Gárgula…
Do Gárgula, que feito de pedra, nada podia fazer. Apenas olhar, enquanto seu coração doía sem o Gárgula entender o motivo daquela estranha dor, já que seu coração é de pedra…
E o Gárgula decidiu procurar a liberdade, voar para novos horizontes. Mas esquecer Sanguínea nunca foi possível. Assim como nunca foi possível esquecer o abraço dela com o príncipe.
E a dor o acompanhava por onde quer que ele fosse.
Era bom voar por outros lugares, sem ter seu corpo petrificado. E apesar de ter um coração de pedra, o Gárgula tinha um corpo de carne e osso.
E apesar de, mesmo com o corpo de carne e osso, seu coração sempre foi de pedra, e mesmo com o coração sempre sendo de pedra, ele sentia a dor.
Mesmo com o coração de pedra, ele sentia a dor…
E agora caminhava sob a intensa tempestade de neve, de volta para Sanguínea…
Não só seu coração, mas seu corpo todo estava ferido, castigado pelo tempo. Mas o Gárgula não se importava, pois dor maior estava no seu coração.
E ele voltava, prosseguindo irredutível em seu caminho, apesar de caminhar com dificuldade.
Sua cabeça estava confusa, ele já não sabia bem o motivo de seu retorno. A tempestade estava deixando o Gárgula meio fora de si, sem controle de seus pensamentos, de sua sanidade.
O Gárgula queria se livrar da dor em seu coração. Será que estava voltando para matar Sanguínea?
Dessa forma, matando-a, eliminaria a nódoa que tanto dilacerava seu coração. Mas será que eliminaria as lembranças, o remorso?
Será que eliminaria o maldito sentimento de perda, o maldito sentimento de nunca ter tido a chance de possuí-la, com ela tão perto, tão próxima de seu coração, a ponto de ele ser o escravo dela?
O seu eterno devoto, que não suportava a dor de imaginar que aquele abraço… era seu. Pertencia-lhe por direito, mas foi dado a outro.
Todos esses pensamentos, misturados às lembranças, vinham em sua mente enquanto caminhava de voltar ao lar. De volta para Sanguínea.
Cansado, ferido, quase morrendo. Ele retornava para aquilo que realmente o matou.
E finalmente ele chega, percorre um longo desfiladeiro, quase caindo no mar, no abismo que dava para o mar, tamanha era a força da tempestade.
Percorreu o longo desfiladeiro até ficar de frente para o castelo. Um grande castelo cujo fim quase não se podia ver, tamanha era a altura.
Mas era necessário voar até ele. E o Gárgula já não tinha forças para voar.
E para entrar no castelo, era necessário esperar a ponte baixar.
As águas do mar que separavam o castelo do desfiladeiro só podiam ser ultrapassadas pela ponte, e era necessário que a ponte fosse baixada para se chegar aos portões imensos do castelo.
Sanguínea controla a ponte. Ela controla o castelo.
E ela sempre sabe quem se aproxima.
Será que o receberia de volta? Será que o acolheria novamente em seu lar?
Depois de tanto tempo, será que Sanguínea perdoaria o Gárgula por ele tê-la abandonado?
A ponte baixa.
O Gárgula, já quase sem forças para andar, percorre a ponte e entra no monstruoso castelo.
Está no conforto de seu antigo lar. O castelo de Sanguínea.
O castelo é o coração de Sanguínea, e o Gárgula sente novamente o calor do coração dela…
Então ele sobe os degraus, milhares de degraus. Mais uma longa jornada para o Gárgula, dessa vez para chegar até Sanguínea, e finalmente resolver o assunto que deixou para trás…
Sanguínea, no alto do castelo, contempla a tempestade. Olhar sereno, misterioso, distante…
Com seu longo vestido vermelho, com panos vermelhos que desciam pelas torres do castelo, como sangue a ondular nas rochas frias, seguindo o movimento da tempestade.
E parecia sangue o que o Gárgula via ao seu redor. Descendo em linhas sobre as paredes ao redor das escadas de pedra. Como veias a percorrer o castelo, envolvendo o Gárgula.
E ele sentia nessas linhas vermelhas todo o sentimento de Sanguínea.
Era arrependimento.
Arrependimento de ter toda a paixão que a vermelhidão de seu sangue pode ter, mas de não ter o amor que só o Gárgula podia ter.
Sanguínea não tinha controle sobre sua paixão, e eternamente apaixonada ela fazia ondular e envolver com seu sangue todo o castelo de rochas gélidas, abraçando e aquecendo o castelo com sua imensa vermelhidão de veias cheias de paixão.
Ela queria que o Gárgula, agora, entendesse que ela era escrava de algo muito pior: sua paixão. E que sofria por esse terrível destino que não podia controlar.
Quantas vezes ela desejou o amor… e quantas vezes ele escapou…
Não era a primeira vez!
Era o terrível amor, que mesmo que ela se esforçasse para tê-lo, sempre escaparia de suas mãos. Porque ela nunca, durante todos esses anos, nunca se dedicou a ele. E assim, o amor agora a tratava como a uma desconhecida…
E o Gárgula, subindo os milhares de degraus do castelo, vai compreendendo todo o pensamento de Sanguínea, através das veias que o envolvem enquanto ele sobe.
E quando finalmente chega ao encontro de Sanguínea, ela continua virada para o horizonte. E o Gárgula aproxima-se por trás dela.
Ela sente.
Ele sente.
Todo o sangue, toda a vermelhidão, toda aquela paixão… é tudo o que o Gárgula precisa para manter-se vivo.
E compreendendo sua natureza de Gárgula, ele passa por ela, sem nem ao menos olhá-la, e volta ao seu posto na beira do castelo. Tornando-se pedra novamente.
Voltando a guardar e proteger o castelo e seu maior tesouro: Sanguínea.
Até o fim dos tempos.
Sr. Arcano

Pálido e Gelado

Dia Pálido

Uma coisa inútil aquela de ficar passeando nos matos. Imaginava que só as pessoas bobas passeiam entre pedras, plantas, árvores, espinhos, água. Só porque não suportava trabalhar. Não era que não gostasse. Um vagabundo, absoluto. Nunca pensava nisso. Apenas parecia-lhe inútil, completamente inútil, assim. Ocupar-se em serviços dos outros, suar pelo pão que não comia, fazer fortuna que não era sua, depois repousar aos domingos, feito dizia o Senhor. O que também era outra inutilidade. Ir à Missa e ouvir o padre ditando as virtudes, às vezes ia, vestia terno só para ser diferente. Os outros vestiam calça e camisa. Fazia muito calor. Um calor de chamas escorrendo nos braços. Uma coisa inútil essa de ser diferente. As virtudes não prestam; os pecados, também. Fazer alguma coisa, impossível. Não fazer, bobagem. Uma coisa inútil as virtudes e os pecados. Uma coisa inútil a inutilidade.

Não via televisão, nem escutava rádios. Mediocridade demais, afirmava. E nem sempre lia: exigência de reflexão, meditação, atenção. Parado ou deitado, sentado no balanço do terraço, o livro diante dos olhos, quase nunca. Uma coisa inútil aquela. Às vezes ia à cidade, quando conseguia passes emprestados. Colocava o gorro, vestia calça desbotada, botas engraxadas. Pegava o ônibus na esquina, andava pelas ruas, visitava lojas, atravessava pontes, desfilava com as mãos no bolso, no centro da cidade verificava que era uma coisa inútil. Desapreciava. Tentava ficar no quarto sem conversar com ninguém, evitando os pais, escondendo-se dos olhos estranhos, houve um tempo em que nem gostava de gente, para conversar ou para ver, principalmente para ver. Aquelas pessoas suadas, dizendo asneiras, cantando. Ora cantando. As pessoas cantam e são horrorosas. Ver gente era, sem duvida, uma coisa inútil. Absoluta inutilidade.

Nem sequer namorava muito. Bom todo o tempo de agarrado, um tremor de carnes nas mãos, sangue injetado nas veias, cheiros de açucena e bogarí, tarde de namoro entre suspiros, seios e ventres femininos. Mas aí vinham as queixas, as reclamações, os conselhos, os cuidados, os comandos, principalmente os comandos. Mesmo porque gostava muito de Catarina. Paixão de ternura e afeto. No arrepio da felicidade. Escondia-se na janela para vê-la. Fingiam que nem namoravam, só para ter a alegria de espiá-la de longe, pelos cantos dos olhos, no prazer da esperança, ela percebia e fazia que não estava percebendo, um dia quem sabe, os dois zelosos.

Apaixonava-se pelos peitinhos escondidos sob a blusa, as coxas que se mostravam dengosas na minissaia e até pelos joelhos roliços. Ela também gostava, às vezes no sorriso leve: olhava-o pelas frestas das portas, quando trocava as roupas, pelos buracos da fechadura, no banho, deitado nu na lerdeza da tarde, fazendo que não era. Aquilo, com certeza, não era uma coisa inútil, embora no terreno dos sonhos, mesmo vendo-a caminhando nos matos, o passeio de mulher no sol posto. O dia acordara molhado e pálido, por causa das chuvas. Os olhos testemunham. Ele viu.

Ela tentava se debater, presos os braços e as mãos. Os dois esparramados no tronco da árvore, imensa e fria, o chão batido expulsando raízes. Os joelhos do homem enfincados nas coxas dela, parte da saia levantada. As veias e os músculos cresciam no pescoço de Catarina, tornavam o busto ainda mais cheio, os ombros repuxados, a pele suada. A boca se contorcendo, torta para a direita e para a esquerda, procurando respiração na garganta, os pulmões tensos. Um olho crescendo demais no rosto.

Gritou, sem dúvida: gritou. Ele encostou os lábios nos dela. Não encostou. Forçou. Abafou. Sem morder. Exigindo silêncio. Aquilo se transformou numa batalha de bocas. Densa luta de arranhões. Sem murros, não havia murros. A saia inteira levantada, agora. A saia. Com o antebraço no pescoço forçou-a a se encostar. A estertorar. Ela ficou vermelha. Roxa. Escura. Tentava espichar a cabeça. Jogá-la para traz.

Sacudia as pernas, os joelhos se tocando, encontrando espaço onde não havia. O rapaz tomou a saia com a mão esquerda, puxou-a, tentando rasgá-la. Impossível. Então a levantou para cima. Para muito acima. Prendia a perna esquerda da moça com o joelho direito. Desnudou- a. Entre os dois corpos, ela enfiou o cotovelo e bateu na barriga do rapaz. Ele abafou o gemido. Abafou. Vergou o corpo. Distendeu a perna. Puxou a calcinha.

As unhas cortaram o ventre. Dois filetes de sangue escorreram, uma marca arroxeada desceu desde o umbigo. Ela fez careta, tornou a face distorcida. Prendeu os dentes, espichou os músculos do rosto, fechou os olhos. Tossia e urrava. Ele insistia no beijo estrangulado, insistia. Catarina forçava por baixo, procurava combater com o joelho que se soltou. Agitava a perna no ar. Apenas no ar. A perna lutava sozinha. Calcanhar no chão, fez apoio, ergueu a parte direita do corpo. A bunda inteira à mostra. Também arranhada.

Arrastou a calcinha, agora suspensa nas coxas separadas, a perna se mexendo. Batendo. Deu um murro no queixo dele, bem no meio do queixo. O homem movimentou a cabeça, forçou ainda mais os braços, ameaçava estrangulá-la. Ela batia com a mão esquerda nas costas dele, enfraquecida. O sexo inteiro à mostra. Escuro. Salpicado de suor. Tentava protegê-lo com o ventre liso. As coxas apenas se debatiam.

Prendeu o lábio inferior nos dentes. As mandíbulas tensas. Sem respiração. Os olhos arregalados, enchendo-se de sangue, empapados de lágrimas. Estrias arrebentando-se. As sobrancelhas arqueadas. Os músculos da cara retesados. Estirando o couro. O pescoço explodindo. Sombras adensando-se nos cantos do nariz, espraiando-se no rosto. O suor escorrendo na testa vincada. O queixo levantado. A boca aberta, o grito estrangulado no peito. O espanto confundindo-se com a dor.

Foi só um segundo de tempo, quem sabe menos. Ela apareceu no terreiro. As vestes rasgadas, os cabelos assanhados, possuída de uma dignidade que iluminava a face e os olhos. Caminhava sem pressa, um gesto de quem conhece o destino. De quem desvenda o destino, Absalão conheceu. Ele estava no balanço. Vôo alto, vôo baixo, tocando apenas com a ponta dos pés no chão. Ela nem sequer fez saudações. Nos degraus, parou. Passou a mão na cabeça, ajeitou a saia. Mas não olhava, não olhava para ele e não baixava a cabeça. Depois seguiu. Empurrou a porta, desapareceu na sala. Deve ter ido ao chuveiro. Precisava de tempo para se recuperar? Então ficou de pé, espichando os olhos pela janela.

Impossível vê-la, inteira. As sombras se formavam de uma tal força que os vultos se entrançavam entre elas, sumiam. Não havia mais ninguém na casa. Ninguém. Ele tentou acompanhá-la. Queria tocá-la e tinha medo. Gostaria tanto de chorar, os dois juntos. E ela não estava, não estava em lugar algum. Nos quartos, na sala, na cozinha. Uma casa desabitada, parecia. Desabitada e tosca. Puro deserto. Seguiu pelo quintal e vê-la não foi mais do que uma obrigação: sentada no quarto de despejo. Pretendeu respeitar o silêncio árido, o grave silêncio que o vento na copa das árvores ainda tornava mais pesado.

Ao invés de entrar, se sentou na porta, no manejo firme e seguro desse silêncio, os pés nos degraus. Não apenas via, sabia e sentia: Catarina sem chorar, não tinha um único soluço no peito. Diante da chama do candeeiro, o rosto revelava beleza – a estranha beleza vinda do sangue. Áspera e estranha beleza que se revela no sofrimento. Do ventre dilacerado.

Quando o silêncio se aprofundou ainda mais, cavando abismos e gretas para sempre nas entranhas, Absalão tentou compreender o que tudo aquilo significava. Os olhos chamejando no quarto, de fera acuada. Sem muito esforço confessou que era melhor deixar a angústia vagar nas veias e no coração. Encostou-se na parede, a carne machucada. As unhas roçando o joelho. Catava na noite as sombras que tornam os homens ainda mais afoitos. Afinal, o começara o dia pálido e gelado, com as marcas que as chuvas da madrugada, insistentes e finas, deixaram – os caminhos enlameados, a mata molhada, as folhas úmidas. Queria, desejava com sinceridade, que também aquilo fosse um dia qualquer.

Não precisou de esforço, as pernas obedeceram: sem erguer o corpo inteiro, se aproximou. Sentou-se ao lado de Catarina, beijou os seus cabelos, os dedos escorrendo nos fios suados, e ela arriou mansa a cabeça no seu ombro. Os dois trêmulos, a inquietação. Ele sentiu que ela só queria confirmar, no clamor das veias, na lentidão da espera, os olhos denunciavam, brilhosos nas chamas do candeeiro, se era verdade que ele havia assistido a tudo. Ainda que lhe parecesse apenas uma coisa inútil.

in: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/palido-e-gelado

Porém Deitas Alguma Hera

Te cubro com um manto de pétalas secas, beijo suavemente teus lábios já tão azuis…

mordo os lóbulos de tuas orelhas…

Delicadamente minhas mãos devraldam as dobras de teu corpo, enquanto minha língua ávida e sedenta sorve o rubro mel que emana de tua epiderme!

A cada beijo, teu coração bate mais e mais rápido, tua respiração arqueja, teu corpo estremece tomado de convulções.

A luz que entra pela janela suja reflete na alvura de ti, reluzindo como prata, esta mesma prata que habilmente minhas mãos talham, esculpem, cortam.

Porém antes de germinar a primeira rosa.
Deitas de bruços sobre a erva,
algumas flores caem sobre tua espalda,
enquanto uma hera se enrodilha em teus pés…

Estás tão incrível em teu empedernimento…

*Frank J. Costa*

SET

Meu nome é Zayin. Um signo, dos mais potentes. Símbolo sagrado para os filhos de Abraão (o imaculado que significa o Zayin) por mim vilipendiado e desonrado. Meu sobrenome – Neves. Zayin Neves. A sétima letra hebraica – Zayin. O Neves invertido – seven. E além do nome duplamente assinalado sinto que tenho a alma horripilante do meu duplo, o deus Set. O horripilante assassino que há dentro de mim ressuscitou na noite em que vi a mulher com o Zayin tatuado no lírio da pele. A ruiva do Bar Sossego.

A tatuagem dela Talvez seu  navegador não suporte a exibição da imagem - use outro! na nuca raspada, abaixo dos cabelos de fogo, o símbolo (zayin).

Acho que nos olhamos por pura identidade. Ruivos. A pele enferrujada, os cabelos vermelhos e os olhos azuis como duas contas de vidro. Na mesa ao lado, quando ela se curvou para ouvir melhor um senhor que tentava falar mais alto que a música, sem conseguir, brilhou a tatuagem diante dos meus olhos. Negro no branco e acima os cabelos curtos eram uma chuva de fogo. Estremeci. Um desejo que rasgou meu plexo solar de forma dolorida. Um desejo.Eu campeão de desejos nunca realizados. Eu, o abandonado. Eu, o órfão, órfão sempre.Eterno órfão no sótão negro.

Um verso de Dante em chispas na memória, tal qual a fagulha elétrica que produz o encontro de dois fios desencapados… Nas chispas da memória entre o azul do atrito de fios desencapados eu, o menino no sótão mal cheiroso. Só, entre as réstias do sol que entra pela janela. Um e outro raio clareando a tessitura prata da aranha que era minha companhia.

Lendo livros que tumultuaram todos os neurônios em uma guerra caótica:

O certo o errado.

Deus e o demônio.

Céu e inferno.

Guerras e amores aflitos.

Uma sucessão de símbolos.

Um menino perdido no sótão com Clarissa, a aranha confidente, ela seguia meus passos rangentes pelo quarto pequeno, que observava meu caminhar, que respirava uníssono para não acordar-me nas noites. Sentia até mesmo a alegria em seu ego aracnídeo massageado cada vez que meu olhar celeste palmilhava cada milímetro da sua teia.

O verso de Dante sacode o mar interior.

Não. Nunca tive um Virgílio a palmilhar o reino da escuridão que se chama viver.

Ela estanca diante da minha mesa. A moça tatuada.

- O senhor já escolheu?

- Uma Bohemia.

Na hora de pagar a conta não consegui me conter.

- Que horas termina teu turno?

- Dez da noite…

- Se importa se eu te esperar? Meu carro é aquela Pajero, cor violeta…

Aponto para a rua. Diante do bar o carro embaixo de uma árvore, no escuro noturno, com sua cor estonteante – violeta – sétima cor do arco-íris.

- Ok!

Ok. Amava o século das condescendências.

Sorriso fast-food.

Tudo à mão na hora que se quer…

Ok, ok ok ok ok ok ok ok ok ok

Fui dizendo ok da minha mesa ao interior do carro, liguei o rádio.

… We are de champions, my friends…

Há quanto tempo não ouvia Queen?

Noite sete de confusão interior.

Quase viro a chave na ignição e esqueço a ruiva tatuada que deve deixar dentro de alguns minutos o trabalho.

O ódio vence.

O casarão nas imediações do Lago Barigui era herança da mulher para quem meu pai me entregou, ela era enfermeira.

Aquela que me alimentava pouco e me trancava no sótão escuro.

Na meia-idade, quase chegando à velhice, cativou um solitário.

Na adolescência a guinada súbita e o estranhamento.

Ficar rico de repente.

Minha mãe postiça era alma gelada.

Sem têmpera.

Sem cor.

Bege.

Nada mais cruel que uma pessoa bege.

São as pessoas beges que criam os monstros, são as pessoas beges que descolorem todas as pinturas do paraíso.

Para que eu pudesse ter uma vida sempre calma, ela disse sim ao senhor embora estivesse brilhando no olhar a ausência do amor e do desejo e do tesão.

Mas já havia fantasmas demais no meu sótão, vômito de harpias, coco de morcegos, mênstruo das serpentes antigas.

Quando a ruiva abriu a porta e me olhou e sorriu como uma ovelhinha que segue o carniceiro.

Meu pensamento voou até meu quarto, onde, por puro acaso estava uma caixa com pequenos envelopes de estricnina.

Minha sala poderia ser a sala de um apartamento do centro de Nova Iorque.

Minha sala se dava ao luxo de ter um quadro de Portinari, um piano branco e uma leveza que fez a menina arregalar os olhos.

- Vinho?

- Nooooosssaaaaa! Que linda a tua casa?

- Olhando esta estrutura de pedra antiga ninguém imagina um mundo moderno aqui, não é?

Por um momento imaginei um instante normal.

Um homem e uma mulher, o vinho, uma trepada cinematográfica, descobrir a temperatura da pele, embora eu pressentisse que ela era uma daquelas pessoas que armazenam gelo na superfície, estas que quando se abraça nada se sente.

Na segunda vez que derramei o vinho, derramei a morte, e esperei que ela morresse silenciosamente no sofá.

O silêncio da noite era quebrado pelo som alto da sinfonia, para que não ouvissem o meu cavar à luz lilás da lua, abaixo do imenso pé de ipê.

No meu banheiro cinco estrelas eu tocava meu corpo, o sexo murcho, sem demonstrar nenhuma reação, desde o instante no bar quando pedi a cerveja até o instante que a última pá de terra a soterrou.

Coloquei uma roupa esportiva e fui correr no Parque Barigui.

Depois do crime, da manhã estranha, do almoço inquieto, do banho e do chá de melissas. Lembrei Flor.

Flor de Lis.

A menina do sobrado ao lado da casa tétrica onde me enfurnavam no sótão – tardes e noites – a casa onde eu vivia como um abandonado.

Mas, aos sábados a madrasta abria as asas e se fazia humana, e eu podia brincar no quintal de Flor, diante do olhar de sua mãe.

Flor de Lis foi o meu refúgio divino naquela infância de pedra.

Acho que o último comboio que levou Deus para sempre do meu mundo foi o mesmo que levou Flor de Lis.

E eu me sentava aos sábados na varanda e montávamos jogos e tomávamos chocolate quente e biscoito.

Nada me faria esquecer Flor.

Ela saltitando na única neve curitibana, seus braços abertos e a neve, seu gorro branco branco branco, suas mãos me chamando para o quintal, e nossas mãos meninas tecendo o boneco eternizado naquela foto que adorna o meu quarto:

- duas crianças, um boneco de neve, uma casa azul ao fundo –

Uma alegria pequena na minha face sempre tão agressiva.

Depois das tardes de Lis, eu me recolhia ao sótão, ao fúnebre ar daquela casa, e me enrolava naquela colcha de retalhos, de tantos retalhos de tantas cores, que eu já decorara cada milímetro e dormia esperando o sábado.

E desenhava a flor que era seu nome, e meu quarto era inundado da flor da real flor da monarquia francesa.

A vida era leve com Flor, e só sobrou mesmo voltar à companhia da aranha, depois do drama, do fim.

Lembro que não chorei, pois estava estático – dentro e fora.

Uma mão de ferro embalsamando cada músculo meu.

Não me lembro de mover um músculo, nem uma lágrima, nada.

Minha infância e suas perdas ininterruptas.

Pai Mãe e Flor.

A ferida mortal no cérebro extirpou-a tão rápido da cena, com raiz e tudo…

Ficou a doçura de histórias e tardes e uma foto que prendeu meu olhar pelo resto de um sábado inteiro.

O que Flor diria a seu amigo louco?

Minha náusea ao lembrar a menina e a vida pura fez com que eu corresse e vertesse minhas golfadas no banheiro.

Vomitar até sentir que eu saíra de mim.

Depois guardar a foto dela entre as toalhas perfumadas.

Nos jornais por meses a pergunta era sobre o desaparecimento.

A cada dia eu acordava com toques de campainhas e toques de celulares, mas, depois era só o bem-te-vi e olhando da janela eu via a árvore e as folhas lilases beijando a terra e o ar calmo das manhãs foi lavando o medo.

Matar, no entanto, é soltar o trenó do alto da montanha de neve.

Eu havia acionado a minha descida ao inferno, sem Virgílio, sem Dante, e pior, minha Beatriz estava mesmo no céu, com nove anos e um vestido azul.

Só lembrava depois de cada morte que sempre era sete, que eram peles de lírio e que eu tinha um rasgo de lucidez, pois apanhava as vítimas sempre onde não havia ninguém, testemunha alguma, sempre na solidão, eu a mulher branca e o ódio antigo.

A gótica chorando sentada no monumento do centro histórico. Largo da Ordem. O cavalo babava silenciosamente. Nunca entendi aquele cavalo que baba, que simbologia estranha, a água não saia de cântaros, nem da boca de peixes. Mas, da boca do cavalo, a escultura era só a cabeça e vertia água pela boca.

Fim de tarde de um dia sete na Estrada Graciosa. A moça parada e o carro quebrado. E o mesmo jeito estranho de segurar os cigarros – como a madrasta – não como todo mundo entre os dois dedos. Ela segurava como a madrasta. Unindo polegar, indicador e anular, e tinha o mesmo jeito de sacudir os ombros. Dizia que Deus me mandara.

Naquela manhã acordei com ressaca e tomei um banho rápido e tomei um suco de laranja. Quando meu corpo caiu no azulejo frio, em um átimo de segundo compreendi. De onde vinha aquele “açúcar”. Na euforia do momento esqueci três pequenos pacotes do veneno no criado mudo. A última mulher, com ela fiz amor. A boca quente dela e suas mãos tateando meu corpo, tudo isto me fez esquecer o resto.

No outro dia estava lá a diarista, Rita. Rita, a mão de vaca. Pude ver Rita confundindo o pacote com aqueles que eu trazia nas viagens. Rita, a econômica. Pude vê-la balançando a cabeça e colocando o pó no açucareiro. Último som que oço – gargalhadas trazidas pelo vento, flores roxas adornando-me, a porta da cozinha aberta, e o vento depositando riso lilás na porta. Estendi a mão para discar o número de emergência, e no meio do meu torpor, o mundo todo esgazeado, uma ciranda abaixo da árvore.

Uma ciranda branca de mulheres brancas e aladas.

* Bárbara Lia Soares *

*Fiat Lux*

- Fiat lux! Os três círios da mesa acenderam. Palavra.

- Importa-se que sente aqui?

- Oh, não. Por favor.

- Continue.

- Tão certo como que o céu é azul. O monge abriu o livro proibido. Não o dissuadiram as advertências nem o cerre metálico das suas capas. Com calma passava as folhas em absoluta soidade. Passava o dedo a sublinhar certas palavras em latim. Continuava a ler atrás do atril do soto. Feitiços, verbas mágicas… Loucura, meus amigos, loucura! Meu avô, que como já sabeis, tinha iniciada vida monástica, contou-me de primeira mão como o monge fugia da luz do átrio como de qualquer conversa, de qualquer encontro com os irmãos do templo. Ninguém o conhecia. Quem era? Nunca foi sabido. Apenas uma lenda o acompanhava. O maldito. Nosferatur.

- E no soto, quando estava a ler no livro, passou quê?

- Sim. Meu avô olhava tudo oculto no alto das esqueiras, aterrorizado. O monge invocava a sombras em movimento que começavam a se manifestar por volta dele. Algumas é como se tivessem grandes assas de morcego, outras como se fossem as mandíbulas de um gigantesco lobo. Filho da perdição, maldito, condenado a vagar sem alento nos seus pulmões, celebrava aquela missa clandestina talvez na procura da redenção, talvez por fortalecer os seus poderes. De repente, a calma foi interrompida por grandes golpes que vinham a botar a porta abaixo. Uma multitude de frades com hábitos pretos entrou no habitáculo portando fachos em lume. O condenado voltou o seu rostro, exibindo os dentes duma besta, dum cão colérico. No que dura um suspiro, tão certo como o ar que suspiro, os misteriosos caçadores botaram-se por acima do maldito e cuma estela de azinheira no seu peito puseram-lhe fim. Nunca mais ninguém falou do tema.

*José Manuel Nunes Vilar*


A CASA DAS SOMBRAS NEFASTAS

– Não são poucos os que me julgam morto – disse-me Von Paulus. – Há trinta anos que vivo recluso nesta vivenda, de insípida arquitetura, onde não há, em cômodo algum, uma nesga de lume sequer. Ao chegar, o senhor deve ter percebido, ao longe, que as janelas estão todas fechadas. Sim! Elas são maciças, do ébano mais denso e retinto que a natureza pode proporcionar e não comportam vitrais. Elas jamais se abrem e os ferrolhos são todos soldados por dentro. O senhor não pode ver, mas as cortinas, sob as quais as janelas se escondem, são todas de um veludo negro e espesso.

Eu havia chegado à casa de Von Paulus, a seu pedido, quando o Sol, cansado de rastejar sobre a abóbada celeste, precipitava-se preguiçoso para as goelas dos morros alcantilados, que, nesse fim de tarde, perdiam pouco a pouco a aura que a distância azulava e se revestiam de suaves e etéreos matizes avermelhados.

Veio recepcionar-me, ao limiar dos portões de ferro enferrujado, um homem já de idade, pobremente vestido. Com uma mão, o velho senhor empunhava um molho de chaves e, com a outra, segurava uma bengala, na qual, aliás, não se apoiava. Outra bengala alçava-lhe o antebraço, numa postura que me pareceu um tanto solene, como se esmeradamente dependurado estivesse o objeto na trave horizontal de um guarda-roupas confeccionado para este específico fim. Entregou-me uma das bengalas e me pediu, com um sotaque cuja origem não consegui distinguir, que eu o acompanhasse. Caminhamos por um jardim abandonado, onde a hera e o limo cresciam e proliferavam, até a porta principal da rústica vivenda. O velho homem enfiou uma das chaves na fechadura e a fez girar. Quando a porta se abriu, entramos numa espécie de hall, ou corredor largo e curto, cuja evolução era subitamente interrompida por uma maciça porta de ébano. O homem selou a porta atrás de mim e a escuridão caiu pesadamente sobre nós. Então ouvi que o homem abria, com uma chave, a segunda porta. Tomou-me pelo cotovelo e me conduziu como quem guia um cego. Depois parou, voltando à porta de ébano, para cerrá-la a chave, com o reforço de várias trancas corrediças. Deduzi que o hall era uma espécie de antecâmara erigida especialmente para evitar a entrada de luz natural. Voltando-se a mim, segurou-me, com uma mão leve e delicada, novamente pelo cotovelo, em voz baixa sugerindo-me que fizesse uso da bengala. Quando paramos, disse:

– O senhor pode se sentar. Há uma cadeira exatamente atrás de vossa mercê.

Foi então que ouvi a voz melodiosa de Von Paulus. Ao que sabia, deveria ter o barão mais de setenta anos. Mas a sua voz parecia a de um adolescente. Não pude deixar de imaginá-lo bem mais jovem do que realmente era. O timbre de sua voz me sugeria a de um homem alto, esguio, de ombros largos e gestos comedidos.

– Ninguém me põe os olhos e a ninguém eu vejo há três longas dezenas de anos – prosseguiu. – Provavelmente já estou cego. Meus olhos só enxergam esta densa escuridão, e, certamente, os nervos ópticos já estão atrofiados. Mas creia-me, nobre professor, esta reclusão e esta cegueira voluntárias são, para mim, tão indispensáveis quanto o ar que respiro. E as cautelas a que aludi são significativamente importantes para a minha segurança e a daqueles que me visitam. O senhor traz fósforos consigo? Se os traz, peço a gentileza de depô-los sobre da mesa, que está logo à sua frente. Trata-se de uma precaução absolutamente necessária e não podemos correr riscos. Não imagina o senhor o perigo que uma única língua de fogo, por mais débil que seja, pode nos proporcionar.

Tivesse eu seguido as recomendações de Von Paulus, o Barão de Oberspreewald, e, então, a tragédia não se teria abatido sobre aquela casa. Decerto que depus os fósforos sobre a mesa. Mas, como logo ficará evidente, não eram os únicos que eu trazia comigo.

– Certamente que o senhor deve estar cansado. Mas, ao mesmo tempo, deve estar curioso. Em primeiro lugar, não sabe por que motivo eu o chamei. E nem cogita das razões de tanto cuidado, de tanta preocupação com a luz. As respostas, o senhor as terá depois de um bom descanso. Agora, somente posso antecipar que todo este isolamento, toda esta escuridão de quem sou voluntariamente cativo, deve-se, unicamente, a um livro. Este que o senhor pode alcançar, se estender mais longamente a mão esquerda. É um livro antigo: Boek van de Schaduwen. Peço que o leve consigo. Ele é a origem de toda minha desgraça, a causa de meu irremediável retiro. Mas só o leia quando estiver em um lugar seguro, longe destas paredes sombrias. Bem, é tarde. Óinos, meu bom criado grego, o conduzirá até os seus aposentos. Se vossa mercê sente fome, ele poderá preparar-lhe alguma coisa. Ele é cego – em minhas circunstâncias, somente um homem cego poderia me servir – e se arranja tão bem na cozinha quanto uma dona de casa com vista apurada.

Eu agradeci, mas recusei a gentileza. Estava ansioso demais para comer o que quer que fosse. Queria estar sozinho com o livro, nada mais.

O velho criado levou-me até um quarto do andar superior, onde eu me recolhi, repleto de emoções. A curiosidade latejava em minha alma em ondas potentes e constantes. Eu mal conseguia respirar. Não podia crer que, queimando as minhas mãos, e bem ao alcance dos meus olhos, estava o “Livro das Sombras”, um tratado abjeto, proscrito pela Igreja, e que os estudiosos das coisas nefandas supunham definitivamente perdido. Em minha pequena bagagem – considerei que estaria viajando de volta em dois ou três dias – trazia fósforos e um pacote de velas. Tateando, encontrei o que buscava e, jogando às favas qualquer escrúpulo atinente à estranha proibição que me impusera o Barão de Oberspreewald, acendi o lume.

Era um livro extraordinário, atribuído ao ocultista Jan van Darkenesses, dito De Shady Ridder. Tratava-se de um incunábulo precariamente impresso, disforme, sem iluminuras e permeado de distintos caracteres tipográficos. Datava de 1495 e fora impresso nas oficinas de Anton Korbeger. Os primeiros capítulos estavam escritos em holandês. Mais adiante, liam-se longas passagens em alemão e em latim. E havia extensas citações em hebraico e na língua dos marranos portugueses. Havia, finalmente, uma miríade de caracteres cirílicos primitivos. Uma tradução fidedigna seria difícil, mas não estava longe de minhas possibilidades. Afinal, já era eu, indiscutivelmente, um erudito; um lingüista respeitabilíssimo.

Em um breve momento de meditação, pude contemplar despreocupado o pequeno quarto em que me alojara. Compunha-se de um cômodo pequeno, guarnecido de uma cama estreita – ali eu estava –, de um escabelo e uma pequena mesa de cabeceira, onde havia uma moringa e um copo de cristal. Nada mais. As paredes eram pintadas com tom escuro e, no local onde eu imaginava que estivesse a janela, uma negra cortina de veludo caía do bandol até o rés-do-chão.

Foi então que percebi que, à luz indecisa da vela, algo se moveu. Algo percorreu as paredes com uma incrível rapidez, antes de se concentrar na área mediana da parede oposta à que estava a cama. Era uma sombra, a princípio indistinta. Depois, percebi perfeitamente que a sombra desenhava, na parede, contornos nitidamente humanos. Mas a sombra que se projetava na parede não era minha. Era a sombra de alguém que deveria estar às minhas costas. Virei-me, mas não havia ninguém ali. E vi, já quase em pânico, que a sombra afastava os braços do corpo – para cima da cabeça artisticamente delineada, na qual era possível perceber os contornos das orelhas proeminentes – e assumia a postura de alguém que pretende lançar-se furiosamente contra outrem. Sim, as mãos crispavam-se e as longas unhas tremiam. Então, algo de extraordinário aconteceu. Eu estava prestes a fugir, quando a sombra evoluiu da parede em minha direção. Em frações de segundos, constatei que aquela sombra ganhava densidade, modelava-se em pleno ar, infiltrava-se de uma substância palpável, negra e terrível. O meu grito foi sufocado pelas garras daquela aparição medonha, que cingira o meu pescoço e que sobre ele exercia uma pressão avassaladora, levando-me quase à asfixia. Pus-me a debater desesperadamente, enquanto aquela substância gélida e escorregadia esforçava-se em minha goela como uma tenaz. E, no momento em que deixei cair a vela ao chão, o lume minguou. A pressão que a sombra exercia sobre o meu pescoço amainou e os fortes dedos, que me suprimiam a respiração, se distenderam, afrouxando-se, trazendo-me um alívio imediato. Quando o lume feneceu, compreendi que estava salvo. Foi então que ouvi suaves batidas à porta, pouco antes que ela se escancarasse, num ruído áspero, para dar passagem a Von Paulus.

– Eu não o culpo pela curiosidade. Afinal, o senhor é um estudioso. Mas a curiosidade quase lhe custou a vida. A sombra sente o cheiro da luz. Agita-se. Abandona o seu dono e prepara as suas armadilhas traiçoeiras. Acalme-se, meu jovem professor. Esteja no escuro e ficará em segurança. Nada poderá afligi-lo.

Eu ofegava. O barão sentou-se ao meu lado – eu podia ouvir nitidamente a sua respiração compassada – e prosseguiu:

– A sombra que o atacou era a minha própria sombra. Já não exerço controle algum sobre ela. No início, não era assim.

O velho homem inspirou profundamente. Senti que o ele estava deveras amargurado. Imaginei que as suas feições se retraíam, sua sobrancelha arqueava-se e o seu olhar se perdia no vazio.

– Esse livro medonho – Boek van de Schaduwe – está com a minha família há séculos. Suponho que ele seja o último exemplar. Em minhas sombrias experiências, consegui obter fabulosos proveitos com a minha sombra. Podia estar aqui na Prússia e, ao mesmo tempo, na Espanha ou na Índia. Ela era uma sombra dócil. Foi muito fácil domá-la e instruí-la, fazendo-a escrava de meus intentos. Permitia-me obter segredos inconfessáveis. Com o auxílio de minha sombra, eu vencia o espaço em questão de segundos, porque, onde ela estivesse, ali estariam os meus sentidos. Infiltrava-me, pois, sorrateiramente, nos mais recônditos ambientes. Muitas das vitórias de nossos exércitos devem-se à minha indiscrição. Segredos militares das hostes inimigas ruíam como castelos de areia! Mas, um dia – dói-me confessá-lo –, usei a minha sombra para intentos menos nobres. Sim! Sim! A sombra logra consistência. Absorve a escuridão, que é a sua substância. E se torna tão palpável como o corpo de um homem. E foi com ela que eliminei, um a um, os meus poucos – porém ferrenhos – inimigos. Foi então que adveio a minha perdição.

Imaginei, agora, que o barão elevara as mãos ao rosto, como a se esconder da própria vergonha.

Então o velho homem prosseguiu:

– A sombra encarna os nossos desejos mais ferozes, mais primitivos. Se nos lançamos a empresas torpes, perdemos, aos poucos, o domínio sobre ela. Resta apenas a força animalesca que reside em todos nós. Oh, sim! Eu senti a sua garganta em minhas mãos, mas nada pude fazer. Da mesma forma que não pude evitar a morte de minha mulher e de meu único filho, que Deus os tenha. Contra vossa mercê, eram os meus instintos selvagens que comandavam a aterradora ação homicida. Uma ação ignóbil, crudelíssima, completamente fora do meu alcance e absolutamente alheia à minha volição consciente. Mas há um meio de liberação. O Livro das Sombras o indica. Mas eu não posso lê-lo, por óbvios motivos. E, ainda que eu pudesse, não poderia decifrá-lo. Eu o chamei aqui em busca da cura. Vá! E, bem longe daqui, leia o livro maldito. Traduza-o na parte em que é do meu interesse e me diga como virá a libertação.

– Qual… Qual é a língua? – balbuciei.

– Eu não sei. Está em um alfabeto cirílico, muito antigo. Eslavônio, talvez.

– Creio que, infelizmente, não o possa ajudar. Meus conhecimentos do eslavo antigo são muito pobres. Lamento, senhor barão – Menti. A verdade é que eu estava transtornado e precisava desesperadamente ficar só. Mas, naquele momento, não sabia que dava o último empurrão àquele que se equilibrava precariamente à beira de um precipício.

– Ninguém jamais o pôde – disse-me ele, retirando-se.

Dormi pouco naquela noite. Revirei-me na cama até ouvir que os passarinhos, lá fora, cantavam. Mas dentro daquele quarto, uma espessa escuridão era a minha única companhia.

Desci as escadas, com o auxílio da bengala. E, para o meu espanto, vi que uma fresta de luz, um traço vertical margeando uma porta corrediça, reluzia languidamente. Gelei. Levei as mãos ao pescoço num simples reflexo. Mas, atrás de mim, veio uma voz, que reconheci como sendo a do criado cego:

– Não há o que temer. Abra a porta e veja com os seus olhos.

Empurrei a porta, que deslizou suavemente em seus trilhos. E algo de terrível cravou-se em minhas retinas.

De uma viga do teto pendia o velho barão, sob a luz morrediça de uma vela, que ele me furtara na noite anterior. Sua cabeça pendia num ângulo esquisito e uma réstia escura, palpável, constrangia o seu pescoço. Sim, Von Paulus jazia morto, e suavemente descrevia um movimento pendular, enforcado na própria sombra nefasta!

Paulo Soriano

2024

13 de maio de 2024. Aqui estou eu, um homem de 40 anos, solitário, saboreando um café amargo. Sentado em minha cadeira, executo meu trabalho para a Oceania S.A. Circulares, ofícios, avisos… é meu papel revisá-los e encaminhá-los para o setor correspondente. Após um dia que parece interminável, o expediente chega ao fim, dirijo-me a saída, bato meu cartão. Finalmente livre por hoje… bem que queria mesmo estar.

Adentro o elevador com passos lentos, porém ansiosos. Cheio, como de costume. Esforço-me para não esbarrar em ninguém, embora isso seja impossível. Dez andares até o subsolo, trajeto agoniante e tortuoso. Saio daquela caixa e entro em meu carro. Faço o trajeto de costume até meu apartamento, no caminho, um filho da puta (sempre tem um) atravessa minha preferencial. Sinto um imenso desejo de verbalizar minha repulsa por sua progenitora e mandá-lo para seu devido lugar… melhor não, podem estar me observando.

Exausto, chego em minha casa, a vontade de tirar os sapatos apertados e a camisa quente é imediata, porém realizo o processo no banheiro. Não confio nessa televisão da sala, muito menos nesse quadro estranho na parede. Sempre desconfiei dessa espécie de “surto de bondade” pelo qual as empresas atuais têm passado. Estão todas fornecendo moradia a seus empregados e sem nenhum custo, na que trabalho não é diferente. Estranho, muito estranho. O que se passa na cabeça desses empresários excêntricos e megalomaníacos, que espalham retratos seus por todo o prédio da empresa, até nos banheiros?

Sento no sofá e ligo a televisão, assisto o noticiário mas mal presto atenção no que é dito. Ultimamente tenho evitado dizer minha opinião a respeito de certas coisas, e para não dizer minha opinião, é preciso não pensar, e para não pensar, é melhor nem saber dos fatos. Em poucos minutos, a televisão me enche o saco. Resolvo caminhar pelas ruas, observo alguns bares e casas noturnas. Ah! Que inveja sinto desses jovens… visual usado para agradar a si mesmos, conversas despreocupadas sobre política, cultura, sexo… enquanto eu… dentro e fora do trabalho trajando as mesmas roupas formais, corte de cabelo padrão, medindo cada palavra que digo, raramente bebendo uma simples cerveja.

Há pessoas contratadas para observar meu comportamento, sei que há. Me lembro bem daquele funcionário que encheu a cara de uísque em uma festa de família, no outro dia foi demitido por “não se adequar à política da empresa”. Há também o caso daquele que saiu com prostitutas, aquele que xingou alguém no trânsito (como quase fiz hoje), aquele que criticou a empresa em uma conversa entre amigos, aquele que gostava demais de Bukowski… todos demitidos pelo mesmo motivo.

Até quando e até onde irá essa perseguição moral? Sou mesmo obrigado a suportar tudo isso? Um sentimento subversivo se instaura em mim. Preciso quebrar essas regras. Não posso resistir. Penetro em uma rua escura e vejo um bar, entro lá e sento em frente ao balcão. Aqui não vão me achar, é um bom lugar, não podem me achar. Peço uma dose de vodca, viro em um só gole. Peço outra, novamente bebo de uma vez. Já um pouco zonzo, peço a terceira, o sujeito ao meu lado puxa conversa:

- Olá, você é estranho por aqui
- Ahn… Olá… Ééé, sim, não costumo sair muito de casa…
- Ééé, percebe-se pelo seu tipo.
- É, pois é.
- Ô, cara, você tem um ar de intelectual. Seguinte… gosta de literatura?
- Gosto. Costumava ler muito, mas agora ando evitando.
- Ah é?
- É.
- E em sua época de leituras, chegou a ler George Orwell?
- Não.
- Devia ler, ia aprender algumas coisas…

Nesse momento, olha para a parede do bar e lá está, um cartaz de propaganda da maldita Oceania S.A. Na parte inferior, um desenho de seu dono, exibindo um sorriso sarcástico, seus olhos indo de encontro aos meus, me vigiando, investigando. Ouço risadas vindas do homem ao meu lado, do garçom, do público a minha volta. Tenho certeza que amanhã serei chamado à sala do chefe.

*D Iron Fist*

OS FILHOS DE GARUTHÁ

*E havia uma estrela chamada Garuthá, filha da Grande Mãe e
nela habitavam bilhões de anjos que povoaram a Terra!

E nas cavernas desérticas, Hárus me encontrou…

****************************************************

Eu era uma jovem conhecida com Halysha Haor, nascida no ano do rei Solárys, éramos uma tribo escondida entre as dezesseis rochas do tempo,eram dunas as quais nunca permaneciam no mesmo lugar, o senhor do tempo, soprava e mantinha-as em segredo no meio da estrela Garuthá, na galáxia de D’orus, um trilhão de anos luz de Pápirus.
Nascar era meu pai, Nytran minha mãe.
Balyus filho de Maruthan, queria desposar-me, mas meu coração já tinha dono!
Quando nasci, havia Havra a oráculo sagrado, ao qual com sua profecia descreveu todas minhas vidas pregressas, com o pó das estrelas e o cajado de fogo, riscou nas areias qual seria minha missão; – aos doze anos fui submetida as provas de todos os lideres de Garuthá, tive que lutar contra Hydra a guerreira mais temida, fiquei vinte e um dias reclusa, apenas comendo aspalythas, um mingau feito da semente de Thelus a frondosa árvore mãe, bebi da sagrada água dourada, um verdadeiro elixir ao qual transformava nossa essência primal em luz, nossos olhos materiais cegavam e através da luz podíamos enxergar além de todas as existências.
Existia bem no centro de Garuthá, um veio dourado, bem debaixo do abismo negro, ao qual os doze anciões, conhecidos como os antigos, eram os guardiões da sagrada Fonte.
Myelus, Goran, Pápirus, Manah, Eliphas, Lhilus, Naspar, Thetus, Bálhyus, Zhafira, Zendra e Amon.
Eram os remanescentes!
Asthargh era o conselheiro real da nossa estrela; – e, Primus era a serpente de Âmbar, a qual mantinha o equilíbrio, era mantida adormecida pelos antigos e a cada doze mil anos despertava, apagando a luz existente, ela destruía e reconstruída o epicentro estelar, com uma explosão cósmica , gerando bilhões de filhos da luz, sementes espalhadas por todas as dimensões conhecidos universalmente como os filhos de Argus.
Foram passados doze segredos, dos quais somente três poderiam ser revelados.
Certa feita, caminhando através do tempo, desloquei-me até as três superiores cavernas de Garuthá, um nível superior a nossa dimensão, e lá em meditação profunda, após ter bebido da água dourada, consegui me comunicar com minha metade, Hárus, sua luz bramia espadas com Zhamon em Thérgus, uma província próxima de Hydralon, chameio com todo o amor, o atraindo para as areias do nosso deserto, onde caminhou trinta e seis passos em minha direção e desposou-me.
Lá nas cavernas unimos nossas matérias, já que a nossa luz era única!
Formamos uma aliança com os antigos, construímos mundos, espalhamos as sementes emanes do ser, nosso reino era de paz, até que, Balcan o terrível dragão negro emergiu das profundezas, trazendo contigo, toda a dor e pestilência, Nascar meu pai ordenou que despertassem do seu sono profundo Therah a fêmea dourada, um dragão adormecido a mais de cinquenta mil anos, ela era a magia cósmica, um dos segredos mais bem guardados de todos os antigos patriarcas do universo.
E assim, Therah e Balcan travaram uma luta terrível para a extinção completa de nossa estrela.
Meu Pai ordenou a retirada em naves que se deslocavam no vácuo dos buracos negros, transpassavam todos os portais intergalácticos, buscando acolhida.
Muitos pereceram, e meu pai Nascar juntamente com minha mãe, distanciaram-se dimensões de nós…
Eu e Hárus fomos pousar na quinta dimensão, onde havia um planeta muito parecido com nossa estrela e lá, descobrimos o solo arenoso de nossa mais nova moradia.
Com pesar, saudosos, sabendo que precisávamos dar continuidade as novas gerações, tratamos de explorar aquele planeta, conhecer seus habitantes, descobrimos que era uma dimensão inferior a nossa, que precisaria de muito trabalho para desenvolver e evoluir.
Poucas naves pousaram naquele solo, infelizmente já era previsto, meus pais habitariam novos mundos.
Ali procuramos estabelecer contato, e não conseguíamos!
Então decidimos aguardar que eles nos encontrassem, já que nossas vidas eram tão longas que os habitantes nos confundiam com deuses imortais.
Levantamos muitas construções no deserto, lá encontramos o que buscávamos cavernas subterrâneas, água não tão dourada, mas que poderia manter-nos vivos e fomos nos adaptando.
Muitos criaram cidades subterrâneas, os povos deste planeta começaram a nos atacar, por sermos diferentes, e nas profundezas desérticas, guardamos todos os nossos segredos, inclusive o maior deles o ovo do dragão dourado Therah!
Ela sabiamente, quando fora desperta, sabendo de seu destino, entregou para cada um dos doze anciões um ovo ao qual apenas um iria eclodir em uma terra fértil!
Primus a serpente Âmbar e o dragão negro Bálcan foram recolhidos no seio do universo, onde permaneceriam inertes até que o ciclo das doze luas negras fossem cumpridos, para que continuasse o equilibrio do universo o senhor do tempo, os guardava e os soltava para que tudo se refizesse em constante explosão e reconstrução, tudo era aceito já que sabíamos dos nossos destinos.
Hárus meu nobre amor, organizou exércitos, e em poucos anos, tínhamos uma estrutura e um reino tão lindo quanto a nossa estrela de Garuthá.
Plantamos da semente de Thélus a árvore mãe e o planeta agradeceu e nova luz foi gerada, terras foram divididas formando continentes, animais e novas espécies foram criadas, pássaros, mamíferos, peixes e após mil anos, o ovo do dragão dourado eclodiu naquelas areias chamadas por nós de Therah, homenagem ao supremo de todos os doze dragões da existência.
E em Therah, Zábhor um dragão macho cresceu!
Sua sabedoria era imensa, volta e meia ele percorria o planeta distribuindo as sementes da grande mãe Thélus, que os seres humanos chamavam de planeta Terra!
Houveram muitas interpretações até chegarmos a conclusão que seus habitantes o conheceriam por este nome.
Saímos das areias e trilhamos este planeta, belíssimo, e fizemos muitos contatos com seus habitantes, nossos filhos geraram filhos e de nossos filhos ainda assim vieram muitos filhos até que nossa raça misturou-se com a raça humana, gerando semi-deuses, e nossa consanguinidade fora ameaçada, precisávamos nos adaptar a este planeta e assim, conseguir distribuir o conhecimento dos antigos, apenas algumas tribos aceitaram a nossa oferta; – alguns nos chamávamos de anjos, outros de deuses, assim procriamos e proliferamos na Terra.
Muito tempo depois, gerações e mais gerações, conseguimos contatar os antigos que repousavam em Pápirus, mandaram suas naves e recolheram eu e os meus, deixando na Terra sementes da antiga mãe a árvore da vida e Zhábor responsável por mais um ovo que eclodiria dali mais mil anos, tornando-se par, sabendo de ante mão ser uma fêmea que se chamaria Gayatri e assim seriam os guardiões dos portais terrenos, mantendo o equilíbrio.
Não sabíamos que no centro deste planeta também estava adormecida a serpente negra Ônix e que repousava em um sono letárgico, até seu iminente despertar.
E assim, o planeta Terra foi aos poucos amadurecendo, em seu ventre até nossos dias Onix adormece, enquanto Zhábor e Gayatri mantém o equilíbrio e protegem a Terra contra os ataques dos gigantes, seres formados por antecessores a nossa espécie, que foram banidos da Terra ainda em formação e habitam o solo desértico do planeta marte; – e, volta e meia, atacam planetas inteiros, devastando e despertando a Onix interior, dizimando por completo planetas habitados em processo evolutivo.
De tempos em tempos, nós voltamos a este planeta, para deixarmos uma luz sagrada, e aos que são dignos e merecedores, compartilhamos da nossa água dourada…
O sopro da vida dos dragões, a magia, a sabedoria de Thélus a grande e sagrada mãe.
E assim formou-se os doze ciclos terrenos; – e, os antigos ainda habitam os universos, espalhando as sementes do conhecimento para aqueles seres merecedores da luz.
E assim os segredos são mantidos por gerações, são descendentes diretos dos filhos de Garuthá; – e, apenas um humano sabe onde as três ¨Hunans¨ estão guardadas…
Que fazem parte da profecia da Terra!

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Reunião

- Os relatos dizem que ele é mais bonito que Dionísio e Apolo juntos; que é mais sensual e desejável que Ares e Eros, mais inteligente e esperto que Hefaìstos e Hermes; e que falicamente é mais poderoso que Zeus. Além disso, ele atravessou o Tártaro e o Elísio sem a permissão e amedrontando Hades,comendo nesses lugares.

Os relatórios dizem que Tanatos está com ele. Ele libertou Sísifo em troca de favores. Nix está perdida de amores por ele. Há uma Calíope com ele junto de mais dois seres estranhos.
Aphodite, Hera, Deméter, Palas, Ártemis tentaram detê-lo mas, ao que parece, ele tem um enorme poder sobre Chronos.
Leon de Esparta o deseja tanto que colocou sua guarda pessoal para proteger sua comitiva. Bem, somos apenas as Moiras, e lhe digo que não o encontramos na roda da fortuna.
E está vindo para cá senhores, e bem não conseguimos ver nada para todos nós que estamos aqui reunidos.

Neste momento o Senhor do Olimpo, usando suas habilidades divinas procura quem estava causando tudo aquilo. Era um jovem: não teria mais que 16 anos, bom para pajear. Lindo e maravilhoso, um jovem deus, parecia a própria encarnação do Caos em um menino de olhos e cabelos tão negros como Escuridão e era nela que Zeus se sentia: nu e perdido na Escuridão.

Antes de perder-se no Êxtase que aquele jovem lhe exercia, Zeus olhou para os únicos que não se apaixonariam por ele, enviando, na tentativa de deter, o Mal que os abateria.
Houve uma rápida turba entre Dionisio e Ares para quem iria ao encontro, eles sabiam que Tanatos estava ao lado do inimigo. Adiantando-se à queda Dionisio saiu ao encontro de seu destino dizendo:
- Eu conheço olhos de pessoas que desejam o êxtase, eu sou o Deus do Êxtase. Lhes darei o que mais desejam e livrarei o Olimpo deste mal.

…To Be Continued…

*D.*

Lua Sangrenta

Lua de Sangue

Chovia torrencialmente naquela noite, levaria pelo menos quinze minutos para chegar a o ponto de ônibus, atravessava lentamente uma rua cercada de um lado por terrenos baldios e fábricas abandonadas, e em ruínas, mesmo de dia aquela visão era aterrorizante, mas a noite, chovendo… Era um pesadelo.
A cada passo a velocidade aumentava, e a parada do ônibus não se aproximava. Um uivo rompe o silêncio da noite, distante e fraco. “Um cão”, esse é o primeiro pensamento que vem a minha cabeça. A parada do ônibus já podia ser vista a alguns metros dali, é só subir a ladeira. O uivo agora mais próximo, “é apenas um cão vagabundo no meio dessa chuvarada”. Finalmente encontro o ponto de ônibus, ele está deserto, e aquele uivo cada vez mais perto, dominando minha mente por completo, o uivo está mais perto e muito mais forte, “Um lobo? Não, estou vendo muito filme de monstros.” Mas aquele som se aproxima cada vez mais e com mais rapidez. Um grito me tira daquele transe maluco, mas não um grito humano e sim o grito das pastilhas de freio gastas do velho ônibus.
Subo os degraus da frente do ônibus, agradecido por um lugar seco, no ônibus um motorista rabugento, e alguns bêbados uma bela mulher trajando trajes muito curtos, curtos demais para aquele tempo. “Ralé…” É o primeiro pensamento que me vem à cabeça, procuro um lugar mais próximo da saída, torcendo para que nenhum daqueles caras me alugue, pois esta não fora uma noite muito boa, a aula estava cansativa, o salário mais uma vez atrasado, e os alunos, meu Deus como queria espancar pelo menos meia dúzia daqueles moleques metidos, como eu queria que fosse como antigamente quando a palmatória era permitida, e como faz falta nos dias atuais.
Sento no banco em frente à porta de saída, largo a mochila no banco vizinho para que ninguém fique do meu lado, idéia que se mostrava muito boa, pois no próximo ponto de ônibus um grupo de crentes embarcavam saídos de um daqueles cultos que mais pareciam uma lavagem cerebral, e como eles se achavam no direito de tentar converter todas as pessoas para sua religião, mostrando a eles o caminho de Deus.
Passo os últimos quinze minutos lendo uma revista da Marvel, quando percebo que o ônibus diminuiu a velocidade, uma zoeira de sirenes me alertam e vejo que não foi apenas a mim, mas todos no ônibus, um policial sinaliza um desvio e ao olhar de relance vejo um carro capotado os bombeiros fazendo os primeiros socorros, mas o que mais me chama a atenção é o fato de que os legistas estavam ali recolhendo, acreditem partes do corpo de uma mulher.
As pessoas ficam nauseadas e eu estarrecido, como uma pessoa foi mutilada, se o acidente não havia sido grave, o carro apenas amassou o teto e trincou o pára-brisa. Não alguma coisa não estava se encaixando nisso tudo. O motorista entra em uma ruela escura, com mato cercando todos os lados, quando escuto um baque surdo e o vidro se estilhaça. Não era verdade, aquilo não existia não podia existir ainda mais no Brasil… Um enorme lobo negro, com a altura de um humano ele havia entrado no ônibus. Seus imensos olhos amarelos me encaram o sangue gela, não tenho muita opção, tenho de fugir. Mas como? A criatura se aproxima do grupo que havia entrado anteriormente, há alguns minutos atrás estavam orando, estavam felizes e agora, tem as vísceras arrancadas, os bêbados não conseguem se por em pé e a pobre prostituta entra em pânico, e não era para menos aquilo havia matado pessoas apenas a alguns centímetros dela, sua camisa branca e molhada estava agora vermelha, encharcada de sangue.
A criatura parecia me ignorar, e partia para cima de todos os outros, o motorista havia parado o ônibus e sumido em meio à escuridão daquela ruela, mas seu grito é escutado e seguido de um uivo ainda mais feroz, não havia jeito, tinha que pular do ônibus me levando devagar enquanto a criatura se deliciava devorando os seios da prostituta, finalmente chego à frente do ônibus pulo a roleta tentando não alertar a criatura, vejo o celular do motorista caído a o lado do acento e o pego disco o 190.
- Alô… Socorro o ônibus foi atacado, uma viatura rápido! – E a bateria acaba. Apenas podia contar com a sorte de ser rastreado.
A chuva se tornava cada vez mais intensa, e os raios iluminavam um caminho longo a iluminação pública decadente com apenas uma lâmpada funcionando, o lixo e os cães de rua ocupando toda a calçada precária, esse lugar era pior que um subúrbio. Avistando de cima de uma ladeira um carro patrulha fazendo a ronda, e os dois animais a o longe, um uivo intenso alerta a outra criatura que ainda havia uma presa, e a cada instante podia se ouvir as duas criaturas se aproximando. Nunca fui um temente a Deus, mas a única coisa que vinha à minha cabeça agora era “Por favor, meu Deus, não me deixe morrer.” Correndo e olhando para trás quando em um baque surdo e forte bato contra a viatura da polícia, ali estava eu caído, e ficando inconsciente apenas sinto os braços dos policiais me pondo para dentro e a viatura partindo, deixando aquelas coisas para trás.

maikon laux

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