sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Per Populum ad Popula

Abaixo uma compilação com 100 obras, entre autores brasileiros e estrangeiros, escolhidas entre os 10 mil títulos disponíveis no Portal Domínio Público. A lista, traz desde livros seminais, formadores da cultural ocidental, como “Arte Poética”, de Aristóteles, até o célebre “Ulisses”, de James Joyce, considerado um dos livros mais influentes do século 20, além de clássicos brasileiros e portugueses. Todo o acervo do portal DP é composto por obras em domínio público ou que tiveram seus direitos de divulgação cedidos pelos detentores legais.
No Brasil, os direitos autorais duram setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente à morte do autor. 
Clique no nome da obra para fazer o download do arquivo no formato .pdf (sugiro o Sumatra, que é pequeno, leve e rápido para ler arquivos .pdf e que também lê .cbz; .cbr e .epub)

A Divina Comédia 
— Dante Alighieri
Ulysses 
— James Joyce
A Metamorfose 
— Franz Kafka
Don Quixote. Vol. 1 
— Miguel de Cervantes Saavedra
Don Quixote. Vol. 2 
— Miguel de Cervantes Saavedra
Cândido 
— Voltaire
Uma Estação no Inferno 
— Arthur Rimbaud
Iluminuras 
—Arthur Rimbaud
A Esfinge sem Segredo 
— Oscar Wilde
Viagens de Gulliver 
— Jonathan Swift
Poemas 
— Safo
O Elixir da Longa Vida 
— Honoré de Balzac
Arte Poética 
— Aristóteles
Via—Láctea 
— Olavo Bilac
As Viagens 
— Olavo Bilac
Contos para Velhos 
— Olavo Bilac
A Mensageira das Violetas 
— Florbela Espanca
Poemas Selecionados 
— Florbela Espanca
Livro de Mágoas 
— Florbela Espanca
Charneca em Flor 
— Florbela Espanca
Livro de Sóror Saudade 
— Florbela Espanca
O Livro D’ele 
— Florbela Espanca
O Guardador de Rebanhos 
— Fernando Pessoa
Poemas de Fernando Pessoa 
— Fernando Pessoa
Poemas de Álvaro de Campos 
— Fernando Pessoa
Poemas de Ricardo Reis 
— Fernando Pessoa
Primeiro Fausto 
— Fernando Pessoa
O Eu Profundo e os Outros Eus. 
— Fernando Pessoa
O Pastor Amoroso 
— Fernando Pessoa
A Cidade e as Serras 
— Eça de Queirós
Os Maias 
— Eça de Queirós
Contos 
—Eça de Queirós
A Ilustre Casa de Ramires 
— Eça de Queirós
A Relíquia 
— Eça de Queirós
O Crime do Padre Amaro 
— Eça de Queirós
Cartas D’Amor — O Efêmero Feminino 
— Eça de Queirós
Vozes d’África 
— Castro Alves
Os Escravos 
—  Castro Alves
O Navio Negreiro 
— Castro Alves
Espumas Flutuantes 
— Castro Alves
Eu e Outras Poesias 
— Augusto dos Anjos
Eterna Mágoa 
— Augusto dos Anjos
Os Sertões 
— Euclides da Cunha
Canção do Exílio 
— Antônio Gonçalves Dias
Dom Casmurro 
— Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas 
— Machado de Assis
Esaú e Jacó 
— Machado de Assis
Quincas Borba 
— Machado de Assis
Contos Fluminenses 
— Machado de Assis
O Alienista 
— Machado de Assis
As Academias de Sião 
— Machado de Assis
Memorial de Aires 
— Machado de Assis
Romeu e Julieta 
— William Shakespeare
A Comédia dos Erros 
— William Shakespeare
A Megera Domada 
— William Shakespeare
Macbeth 
— William Shakespeare
Hamlet 
— William Shakespeare
Otelo, O Mouro de Veneza 
— William Shakespeare
O Mercador de Veneza 
— William Shakespeare
Antônio e Cleópatra 
— William Shakespeare
Ricardo III 
— William Shakespeare
Os Lusíadas 
— Luís Vaz de Camões
Redondilhas 
— Luís Vaz de Camões
Canções e Elegias 
— Luís Vaz de Camões
A Carta 
— Pero Vaz de Caminha
Fausto 
— Johann Wolfgang von Goethe
Lira dos Vinte Anos 
— Álvares de Azevedo
Noite na Taverna 
— Álvares de Azevedo
Poemas Irônicos, Venenosos e Sarcásticos 
— Álvares de Azevedo
Obras Seletas 
— Rui Barbosa
A Volta ao Mundo em Oitenta Dias 
— Júlio Verne
Odisseia 
— Homero
Iliada 
— Homero
História da Literatura Brasileira 
— José Veríssimo Dias de Matos
Utopia 
— Thomas Morus
A Carne 
— Júlio Ribeiro
Édipo—Rei 
— Sófocles
A Alma Encantadora das Ruas 
— João do Rio
Memórias de um Sargento de Milícias 
— Manuel Antônio de Almeida
A Dama das Camélias 
— Alexandre Dumas Filho
Sonetos e Outros Poemas 
— Bocage
A Dança dos Ossos 
— Bernardo Guimarães
A Escrava Isaura 
— Bernardo Guimarães
A Orgia dos Duendes 
— Bernardo Guimarães
Seleção de Obras Poéticas 
— Gregório de Matos
Contos de Lima Barreto 
— Lima Barreto
O Homem que Sabia Javanês e Outros Contos 
— Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma 
— Lima Barreto
Diário Íntimo 
— Lima Barreto
O Livro de Cesário Verde 
— José Joaquim Cesário Verde
Brás, Bexiga e Barra Funda 
— Alcântara Machado
Schopenhauer 
— Thomas Mann
A Capital Federal 
— Artur Azevedo
Antigonas 
— Sofócles
A Poesia Interminável 
—  Cruz e Sousa
Antologia 
— Antero de Quental
A Conquista 
— Coelho Neto
As Primaveras 
— Casimiro de Abreu
Carolina 
— Casimiro de Abreu
A Desobediência Civil 
— Henry David Thoreau
A Princesa de Babilônia 
— Voltaire

Para ler mais: Um Mundo de Letras

quinta-feira, 30 de maio de 2013

VALE A PENA

Você chora, grita, sente-se só; alguns se mutilam e outros até se matam.
Não julgue quando você vir alguém assim, afinal um você pode passar pelo mesmo, ou até passou. Tenho certeza que uma vez na vida você se sentiu incrivelmente sozinho, e isso doeu. Você teve uma saudade tão grande que fechou sua garganta, seu rosto ficou pálido, e a sua boca seca, pois nem vontade de sair do quarto você teve…
Você lembra o porquê de tudo isso? Saudades de um namorado que não existe, saudades de um amigo que se foi, ou decepções normais!?
- O importante é que você superou! - Não superou? Então vamos agora! Você nem precisa sair do seu quarto, apenas coloque uma musica que você goste, uma roupa como se você pra melhor festa da sua vida. Já? Se olhe no espelho. E olhe apenas pra dentro dos seus olhos. Depois vire um pouquinho e dance sozinho. Olha pro espelho e diga “foda-se!” ao mundo, ao submundo, ao extra-mundo, ao mundo que não existe, e ao mundo que você tenta fazer existir! Vamos criar um mundo novo juntos?

Ta, nesse mundo novo, todas as ruas tem árvores e as ruas são limpas; as casas são feitas de madeira, e os bancos são feitos com a própria madeira da árvore…
Lá existe um grande balanço onde você estará com quem você mais quer. E se essa pessoa não quer estar com você, imagine a mim: como seu amigo te dando carinho… Assim como você eu também sinto falta disso, vamos morar juntos? No nosso novo mundo!


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Suicídio Planejado



C


omunico aqui, a minha morte.

Ela será realizada em um quarto pouco iluminado.

Haverá um bilhete longo, pois sempre que escrevo acabo exagerando.

O bilhete vai falar basicamente das coisas que vivi: da minha angústia, dos meus amores, das tentativas inúteis de mudar, do meu fracasso como pessoa, da carência, da fragilidade, entre outras coisas vai falar de tudo que eu sou e porque cheguei a me matar

Também terá uma parte com pedido de desculpas aos meus pais e parentes Sabe como é... pra não dizerem que fui egoísta depois Sei que poucos vão entender o real motivo, pois poucos sabem as verdadeiras razões de um suicida

Pois bem, estes que entendem de certo são as pessoas mais queridas por mim. A eles um beijo especial e um forte abraço, eu juro que tentei, mas não foi possível. Acho que um dia vocês vão me entender

Voltando a minha morte, ela será realizada num quarto pouco iluminado, a luz virá de um pequeno abajur do lado direito da cama. Eu o uso para ler a noite,  e é o que eu estarei fazendo antes da morte vir me buscar

Do lado direito também haverá um vidro com remédios, uma corda, uma sacola plástica e um estilete. Terei várias opções, mas por fim escolherei o estilete, pois as lâminas sempre me seduziram.

É bem verdade que eu vou pensar em desistir inúmeras vezes, mas ao lembrar da vida infeliz e fracassada que terei pela frente, a morte será o menor dos males A morte irá me envolver com seus braços, e juntas dançaremos uma valsa leve e sádica, na qual verei todos os momentos felizes que tive durante toda minha vida

Ela será boa comigo e me levará pairando no ar para visitar aqueles que amo, e me permitirá abraçá-los bem forte, mesmo que eles não sintam.

Ao meu amor, olharei no profundo dos seus olhos e direi o quanto o amo, e o quanto desejo a sua felicidade, é fato que você não verá e nem me ouvirá, mas sua alma vai ver a minha pelos seus olhos, e no seu íntimo você perceberá a minha falta.

Bem verdade que nada adiantará quando esse dia chegar, sei que muitos chorarão de verdade, e a estes eu desejo profundamente o conforto. Aos falsos, desejo que sejam felizes e que jamais passem pelo que eu passei.

Anuncio que minha morte será realizada num quarto pouco iluminado, a data ainda não está marcada, mas peço humildemente que quando este dia chegar; que vocês possam ir ao meu velório e ao meu enterro, e eu estarei lá sorrindo e desejando a felicidade de todos...


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Sob o olhar do cão


Acordou no meio da noite com seu cachorro latindo, pedindo por comida e atenção. “Maldito cão!" foi o que passou pela cabeça dela enquanto se levantava e procurava pelos chinelos em meio à escuridão. Ultimamente seu cachorro havia lhe enchido a paciência muito mais do que quando jovem. Agora velho e cego, muito de sua alegria se esvaira; embora continuasse dócil e amável como sempre fora, não tinha mais o hábito de pular e sair correndo toda vez que ela entrava em seu quintal.
Agora passava o dia inteiro sentado em frente ao batente da porta que dava acesso ao seu lar, implorando por qualquer coisa que o distraísse de sua velhice e da inevitabilidade da morte. Ellie abriu o armário da cozinha e retirou um saco de pão velho e amassado. Repartiu o pão em pequenos pedaços mecanicamente, um ritual ao qual já estava acostumada. Olhou para o relógio do micro-ondas enquanto jogava os pedaços em uma tigela e ele lhe mostrou que eram três e trinta e três da manhã. “Droga! Devia esganar esse desgraçado!" foi o seu pensamento antes de abrir a porta.
O luar iluminava o quintal com sua pálida luz azulada, como se houvesse uma gigantesca bola de neon celestial. Ellie esperava ver seu cachorro em seu lugar usual, logo em frente à porta, onde ela até havia colocado uma almofada, mas ele não estava lá. Ela vasculhou o quintal com o olhar e descobriu seu cachorro sentado ereto no centro, com o rosto virado para o canto oposto. Mesmo com a visão parcialmente nublada pelo sono Ellie percebeu que aquela não era uma posição normal para qualquer animal, muito menos para um cão velho. Era… reta demais, humana demais. Ele também mal se mexia, parecia até que não respirava, mas naquela semi-escuridão ela concluiu que seria difícil enxergar qualquer movimento de seu corpo.
Mesmo assim, era um comportamento anormal que ele estava apresentando. Ellie deu dois passinhos inseguros e timidamente disse: – Charles…? Trouxe um lanchinho para você. A princípio ele não reagiu, mas depois de um tempo ele lentamente virou o corpo. Charles estava com uma expressão estranha, apática, que mesmo cego ela nunca havia visto ele ter. Parecia que não estava realmente ali, que estava em algum tipo de transe. Ele só virou metade do corpo e parou todo retorcido em uma posição que não tinha como ser confortável. Então ele lentamente levantou a cabeça e olhou para ela.
Ellie não sabia como, mas tinha certeza que o olhar cego de Charles estava fixo no rosto dela. E depois ele… sorriu. Não era bem um sorriso; ele simplesmente colocou a língua para fora, como todo cão faz. Mas Ellie tinha certeza de que ele estava sorrindo e olhando para ela, quase como se soubesse de alguma coisa. Subitamente, Ellie ficou assustada e largou a tigela no chão enquanto voltava para dentro de casa. Trancou bem a porta que dava acesso ao quintal e voltou para cama. "Está sendo tola! Não há nada de errado com ele!” foi o que ela repetidamente se forçou a pensar, mas o sono não voltava.
A imagem de seu cachorro negro sorrindo com aqueles olhos leitosos voltados para ela estava queimada em sua mente e ela não conseguia ver mais nada.. Só foi ficar tranquila mais ou menos uma hora depois, quando ouviu o som de Charles mastigando o pão. "Está tudo bem, ele só estava com fome” foi seu último pensamento antes de adormecer profundamente.

******

Na manhã seguinte Ellie acordou se sentindo muito mais calma, apesar do cansaço. Tinha certeza de que estava tudo bem com seu cachorro; ele só estava passando por uma fase difícil. Ela foi até o quintal para retirar a tigela de pão e talvez brincar um pouco com ele.
Chegando lá, novamente ele não estava em seu lugar de costume. A tigela continuava onde ela a havia deixado, mas não conseguia ver Charles em parte alguma. “Ele deve estar em algum lugar nos fundos, se protegendo do sol”. Continuou a procurar por todos os cantos enquanto pegava a tigela. Foi então que uma súbita e aguda dor subiu pela sua mão, tão repentina que a fez largar a tigela, que se espatifou no chão. Ellie olhou para o local dolorido e viu um inchaço começando a se formar ao redor de um minúsculo ponto preto em sua mão. Então olhou para a tigela quebrada e viu centenas de formigas correndo desesperadas ao redor dos cacos e dos restos de pão. “Mas… ontem eu tenho certeza que o ouvi mastigando…”
Houve um único latido vindo lá do fundo. Lá, Charles estava nas sombras, quase impossível de se ver a não ser pelo branco dos olhos. Ele arfava ruidosamente, e Ellie podia ouvir a saliva pingando de sua língua. Novamente, aquela sensação de estar sendo observada pelo seu cão cego se apoderou dela. Ela começou a se sentir nauseada e quis ir embora. O arfar dele parecia muito com uma risada e os olhos… Bem, estavam muito brilhantes. Muito mais do que ela se recordava. Antes de ela fechar a porta atrás de si, Charles latiu mais duas vezes, uma logo atrás da outra, como se estivesse enviando um “tchau, tchau”.
Ellie não visitou Charles novamente pelo resto do dia. No dia seguinte, antes de ir trabalhar, ela deixou um pouco de comida ao lado da porta, mas não o viu em parte alguma. Notou, porém, que havia chumaços de pelo aqui e ali. “Deveria levá-lo ao veterinário. Talvez ele esteja com alguma doença". O trabalho exigia que ela se concentrasse de tal maneira que a fez esquecer tudo sobre seu cachorro. Quando voltou para casa no final da tarde, Ellie já não pensava mais no estranho comportamento de Charles. – Ellie? Ela levou um susto quando ouviu alguém lhe chamando por trás, mas era apenas seu vizinho, Edu. Ele estava com uma cara bastante consternada. – Nossa Edu, você me assustou! O que foi? O que aconteceu? – Ellie, você viu o Tomi?
Ele sumiu de casa já faz quase dois dias. – Ah, desculpe, Edu, mas não o vi não. Ele não costuma sair de casa de vez em quando? – Sim, mas não por tanto tempo. Se você o vir, liga direto para esse número, ok? Ele estendeu uma folha de papel com uma foto impressa do gato preto e um número de celular. Embaixo da foto estava escrito: "Você viu esse gato? Favor ligar para o número abaixo caso o tenha avistado”. – Pode deixar Ed. Boa sorte nas buscas. – Brigado. Enquanto Edu saía para interrogar os outros vizinhos, o namorado de Ellie, Marcos, chegou. Ele estacionou seu carro vermelho em frente à casa dela e desceu. – Ei querida, como está? – ele perguntou depois de um breve beijo. – Mais ou menos.
Hoje foi um dia estressante. Importa-se de a gente pedir alguma coisa ao invés de cozinhar? – Não, não, sem problema. A noite transcorreu normal. Eles comeram comida chinesa e assistiram comédias bobas na TV. Charles também voltara a ser o que era antes. Até mesmo voltou ao seu lugar especial em frente ao batente da porta. Ellie então pode relaxar e ter um pouco de paz. Quando era quase meia-noite, os dois subiram para se deitar.

****** 

Enquanto Ellie e Marcos faziam amor, Charles começou a choramingar. A principio isso não a incomodou, mas o ganido foi ficando mais e mais alto até que ela não conseguiu mais aguentar. 
- Marcos, sai, eu tenho que ver o que há de errado com o Charles. 
- Ele só quer comida, El, você sabe disso- Ele disse enquanto arfava. 
- Mas eu tenho que ver assim mesmo. Depois a gente termina, Marcos. Agora sai, por favor. 
Com um bufo, Marcos saiu de cima dela. Ellie colocou um roupão por cima do corpo e foi até o quintal. Charles novamente estava no centro do quintal, mas desta vez estava inquieto. Ele andava para lá e para cá em um eterno “8” e a cada volta soltava um choramingo agudo. Assim que ela saiu da casa, porém, ele parou de ganir e começou a rosnar. Eram rosnados curtos mas que iam aumentando de intensidade. Quase como se ele fosse gritar a qualquer momento. Ellie não conseguia fazer nada, estava hipnotizada pelo andar de seu cão. Charles parou no meio de uma volta e a encarou. 
            
Novamente aquele olhar cego, novamente aquele sorriso.  Ellie não conseguia ver mais nada. A imagem de seu cão sorridente ocupava quase tudo em sua mente. Teve uma hora que ela pensou ter ouvido “Meu bem? O que aconteceu…?” mas logo a imagem de Charles era tudo o que importava. Seu sorriso era tudo o que importava. Então ela acordou.
Estava deitada sozinha no quarto, ainda de roupão e meio molhada de alguma coisa pastosa. O quarto estava escuro, de modo que ela não conseguia ver o que era aquela coisa. Cheirou-a e sentiu o cheiro de salíva canina, o que lhe deu certo alívio, apesar de não se lembrar de ter brincado com Charles. Ela nem sequer se lembrava de como havia chegado alí. Chamou por Marcos, mas não ouviu resposta. “Ele deve ter ido para casa depois que eu dormi”  pensou. Foi então que ouviu uma batida muito forte em sua porta da sala. Olhou pela janela do quarto e viu dois policiais parados em frente a sua casa, esperando impacientes que ela os atendesse. Ellie enrolou bem o roupão ao seu redor e abriu levemente a porta.
- Posso ajudá-los? – Senhora recebemos reclamações de gritos vindos dessa residência. A senhora mora sozinha aqui? Tem mais alguém na casa? perguntou um dos policiais com uma cara fechada e pouco amigável.
- Sim, moro sozinha aqui. Meu namorado Marcos veio essa noite mas já foi embora… 
Foi então que Ellie olhou para a rua e viu, bem ali em frente a sua casa. O carro de Marcos ainda estava lá. Os policiais se entreolharam frente a hesitação de Ellie, e o outro deles falou:
- Senhora, se não se importar, gostaríamos de dar uma olhada em sua casa… meu Deus!!  Enquanto falava o policial já abria a porta, permitindo um pouco da luz da rua iluminar Ellie. Ela se olhou e percebeu que o líquido pastoso que cobria metade do seu roupão e boa parte de seu corpo era sangue. Ellie entrou em desespero, mas não pode ir a lugar nenhum pois os guardas a prenderam ali mesmo. Ela tentou dizer alguma coisa, mas estava sem palavras. Não sabia de onde vinha aquele sangue, mas com certeza não era seu. Um dos policiais a jogou bruscamente no sofá, fazendo-a cair de bruços. O outro se aproximou de sua orelha e, com uma voz ameaçadora, perguntou:
- Muito bem, agora me diga, onde está esse seu namorado?
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Charles uivou. Um uivo sobrenatural, forte e penetrante, que imobilizou todos na sala. Nenhum cachorro normal deveria ser capaz de reproduzir tal som. Ellie levantou levemente a cabeça e olhou para a sala de jantar.
A porta que dava acesso ao quintal estava aberta. Charles estava novamente parado e ereto no centro. Seus olhos cegos estavam vidrados nela e o maior sorriso que ela já vira em um cão deformava o seu rosto.
Ela esqueceu de tudo. Os policiais, o sangue, nada mais importava. Só o que importava era o sorriso maníaco de Charles. Era tudo o que ela via e era tudo o que precisava. Quando afinal sua mente clareou, Ellie se viu deitada de costas no quintal, com dor em todos os membros do corpo, como se tivesse participado de uma luta. Haviam pedaços de tecido rasgado em sua mão esquerda, um pedaço de papel na mão direita e o luar brilhando forte no céu.
Ela se sentou e examinou o tecido. Parecia ser azul e, entre os pedaços, havia um distintivo. Olhando ao redor, viu várias tiras de tecido do mesmo tipo, todos empapados de sa...Então ouviu um latido curto, quase um espirro, bem atrás dela. Ellie se virou.
Charles estava sentado a meio metro dela. O sangue brilhava refletindo o luar em seu corpo e ao redor da mandíbula. Apenas os olhos não estavam sujos. O branco deles estava mais forte do que nunca. Eram lanternas de pura loucura irradiando de seu pequeno cão.
Ellie não teve forças para correr. Nem sequer teve forças para gritar quando ele avançou, a boca aberta e a baba escorrendo, em direção a sua garganta…

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No dia seguinte a manchete de todos os jornais locais era: “CHACINA EM CASA NO SUBÚRBIO. MULHER ALIMENTAVA CACHORRO COM PARTES HUMANAS”. Logo abaixo da manchete havia uma foto de Charles, encontrada na mão direita do corpo de Ellie. Na foto, Charles estava sentado ereto, com os olhos brancos voltados para a câmera. Algumas pessoas que leram os jornais naquele dia poderiam jurar que Charles estava olhando para elas. E que estava sorrindo.