quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Maha Alauyama

    A madrugada estava alta. Mais alto ainda estava eu: duas garrafas de gin, uma de vinho; até a meia garrafa de malte escocês (esquecida por alguém no último réveillon) entrou na ciranda.

    Com minha última dose de malte - servida chorosa e abundantemente - sentei à janela com um cigarro acesso e a mente fervilhando; pensamentos desconexos em recordações fragmentárias.
    Uma memória ignota que teima em recontar de si para si a própria história: editada, revista e revisada, a cada novo ocaso.

    O vento alisa meu rosto como tépidas mãos desprovidas de quaisquer anseios. Ao longe ouço o ribombar dum trovão; embora eu não houvesse visto o seu relâmpago... Pouco depois uma fina e gélida chuva começa a entrar pela janela, completando meu copo de malte, me deixando de corpo lavado, mente embotada; imersa em plena solidão.
    Apaga-se o encharcado cigarro, que esquecido pendia em minha mão. Do outro lado da rua, o vento traz-me uma canção...

“...
Now you say you’re sorry,
For bein’ so untrue
Well, you can cry me a river,
cry me a river
I cried a river over you
...

    E a música derruba minhas muralhas, abre a represa de minha’lma e vejo-me impotente, chorando sob a chuva fria, à janela de uma casa vazia e gélida. Pondo-me de pé, me debruço sobre o parapeito, meus olhos mergulhando no rio de luzes dos carros passantes na via expressa; metros abaixo.
    No armário do banheiro ainda resta um vidro de MAPEZAIDO (do tempo em que vivias comigo). Deito uns comprimidos dentro do copo, olho-os enquanto se desmancham no malte – agora completado com chuva e bourbon -, emprestando uma coloração banco-leitosa ao rubor da bebida e uma textura arenosa ao seu sabor.

    No horizonte vejo o sol surgindo por entre as nuvens; o céu vermelho-alaranjado, como a bebida em minhas mãos.
    A chuva arrefece e sinto o cheiro da manhã invadir a casa, me invadindo junto.
    Sinto as pálpebras pesando a cada gole dado em meu Bourbon. Some minha percepção de mim, assim como some o sol do horizonte no cerrar pétreo de meus olhos.