terça-feira, 12 de junho de 2012

*SEELE*



Em quantas partes se pode dividir uma alma?

Uma parte pra cada emoção que uma pessoa pode sentir,
Uma pra cada crença que esta pessoa tiver,
Uma pra cada sonho, esperança, ilusão e decepção que ela nutrir.

Em quantas partes se divide a tua alma?

As minhas divisões, parei de contar quando cheguei na centena...

Três horas da manhã, ao longe ouço um cão solitário que uiva desesperançoso pra fria e morta lua.
Talvez uma gralha tenha cantado sobre mim, talvez tenha sido apenas o vento farfalhando as folhas...
Agora uma fina chuva começa a cair, escuto seu canto no telhado.
A temperatura cai, e caindo na inconsciência...

E, na inconsciência, me vejo envolto em espessa treva...
De súbito a escuridão se contrai e rasga-se em luz!
Todo o recinto, parvo, parco, estreito e lugubre se inunda de cores, se plena de sons e odores.
Mas ainda há um nicho de profunda sombra! Ela se move em minha direção, dela sai uma voz que diz:
-Guardião! Guardião! Me enviaram para te dizer que teu tempo está acabando. Já é hora de voltar pra casa, voltar pro céu.
Acordo sobressaltado. Fragmentos do sonho flutando em minha memória.
Um pavor gélido percorre minha espinha, os pelos da nuca se eriçam.
Não totalmente consciente, levanto da cama, ao banheiro, lavo meu rosto com água fria, tomo meu banho. Ao dejejum, como por hábito ponho dois jogos de café da manhã. E como todos os dias no último semestre, retiro um deles ao lembrar que não estás mais aqui. Um dia talvez eu me acostume com aquele prato solitário na mesa...
"É hora de voltar pra casa"... A frase soa repentinamente em minha lembrança, vívida como um ferimento recente, cruento e hemorrágico!
Quando olho pro relógio, não consigo evitar rir: ainda faltava uma hora até a alvorada.
Decidi seguir meu roteiro normalmente, apenas fazendo com mais vagar as coisas em casa.
Quando o sol principiou despontar no horizonte, sai de casa. Enquanto caminhava pro ponto de ônibus, uma outra vez a frase me veio aos ouvidos "hora de voltar pra casa.".
Quantas vezes eu não ligara pra dizer exatamente isso? "amor, já não é hora de você voltar pra casa?"?
Tanto que eu queria crer que fosse apenas um truque do meu cérebro, mas então voz deveria ser a mesma; mas não era. Simplesmente eu não reconhecia a voz que falara comigo no sonho, envolta na escuridão.

O dia transcorreu calmo, sem muitos aborrecimentos, pelo menos nada fora daquilo a que ja estou habituado.
Apenas quando cheguei em casa tive outro sobressalto: ao entrar senti cheiro daquele macarrão com molho madeira que você adorava preparar nas noites de sexta. Corri pra cozinha, estupidamente esperando te ver, mas tudo estava do jeito que deixei. Sem molho fervendo na panela, sem vc rindo porque tinha cortado o dedo, que continua sangrando -pela enésima vez- abrindo a lata.
Decidi tomar somente um café e fui assistir a um filme, sem me dar conta peguei um dos teus favoritos: "Quem tem medo de Virgínia Woolf".
Ri de mim lembrando que costumava te "ameaçar" com a destruição do disco, caso não fizesses algo como eu tinha pedido; e como você devolvia dizendo que quebraria minha coleção de Marvin Gaye.
Boas lembranças que pensei já ter esquecido, mas que agora vejo que nunca estiveram muito longe da superfície de meu coração!
Pus o disco, deitei na cama, aninhando os travesseiros ao meu colo, relembrando quantas vezes fiz o mesmo com você!
Quando chegou naquela cena memorável em que Martha confessa (mesmo que carregada de profunda melancolia, tristeza e mágoa) todo o amor que sente por George, lembrei da vez que, já bêbado, fiz algo semelhante, com lágrimas copiosas nos olhos...
"...hora de voltar pra casa..."
Como eu gostaria de poder te telefonar e dizer isto uma vez mais.
Desde que você partiu, nunca mais me permiti aproximar de alguém -não da mesma forma como me aproximei de ti.

Adormeci antes do fim do filme e acordei suado, um suor frio e pegajoso...
Nos olhos um brilho de lembrança que permanecia: a noite que te conheci.
Queimando em minha mente tal ferro incandescente, profundo, além de qualquer bálsamo.
Com o coração e a mente anestesiados, fui tomar um copo dágua, na porta da geladeira um bilhete "amor, vou viajar neste fim de semana, na terça to de volta! Não te preocupas que vou trazer aquele xadrez que te prometi, e VOCÊ vai me ensinar a jogar, ok?? Beijos, te amo!"
Não entendo como este recado ainda podia estar aqui! Já se tinham passado seis meses desde o acidente! Como eu pude não ter tirado da porta da geladeira?
O post-it, somado à recrudescente recordação que me acordara, foram demais... Me deixei cair sentado -encolhido- no chão da cozinha e o choro veio, aos borbotões!
"Teu tempo está acabando..." agora a voz repetia-se em meus ouvidos.
Cheguei a pensar, que se fosse eu do tipo religioso, poderia ter ouvido a voz da Morte. Mas nunca acreditei nestas coisas 'espirituais', mas frente aos acontecimentos de hoje... Não sei mais o que dizer, o que pensar!!
Aturdido, confuso, com a tristeza rasgando fundo no peito, resolvi sair no meio da madrugada. Depois de horas esperando um ônibus, um outro tanto de viagem, cheguei ao cemitério.
Fiquei ali naquela esquina escura, agarrado à grade, olhando pro teu túmulo enquanto escrevo isto e posto!
Das sombras sinto um frio cortante penetrando fundo em mim, algo quente jorra...
Uma dor fina, aguda, me atravessa o peito e finalmente ouço tua voz dizendo "Ai que saudade de você! Meu sofrimento já não cabia mais em mim!!"
Sinto teus braços me envolvendo, fecho os olhos e toda a dor, mágoa, tristeza e angústia me abandonam.


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Das Sombras


Uma garota da cidade,
gosta de noites de lua e dias de chuva.
Ninguém entende porquê...
Todos a acham esquisita e, por mais que ela explique, ninguém entende.

À noite se pode ver as estrelas,
por isso ela prefere o campo à cidade,
e da natureza; pois sempre se vê melhor as estrelas lá.
Elas, as estrelas, lhe transmitem paz,
lhe mostram como o universo é grande,
libertam sua imaginação.
Não que não seja feliz durante o dia: gosta do dia,
do sol (bem melhor que o frio), ela não gosta do frio.
Pra ela, a cidade fica diferente:
com mais vida, mais alegria, nos bares, e todo mundo parece igual,
sendo espontânea, sem fingir que gosta daquele chato ou daquela irritante.

Na noite se escondem os mistérios, os segredos.

E a chuva?
Quando chove... aquela água gostosa relaxando os músculos.
Só assim o dia não fica quente (nem frio) demais: fica ameno, tranquilo.
Então ela se sente mais calma, como se o dia também estivesse mais calmo.
Sem a correria, sem a histeria sem o stress.
O ar fica mais limpo, o cheiro das coisas fica mais agradável; mais acentuado.
Lhe agrada o cheiro da grama molhada.
Quando chove, também, dá pra dormir, e sonhar.
Quando a chuva está mais forte, fica ótimo.

Quando faz calor os pensamentos dispersam.
Mas as pessoas nunca entendem isso.
Por isso ela vive só.
Ela vê isso nela: que todos a acham diferente, estranha.
E ninguém sabe lidar com o que é diferente.
Ninguém entende as sombras que acompanham aquela garota...