Muitas vezes, Marçal
acorda na madrugada, levanta-se, vai ao banheiro e volta a dormir.
O mundo imerso em
penumbra e silêncio....
Talvez por algum fator
biológico - ou incrível acaso - a hora que isto acontece é sempre
por volta de três horas.
Às vezes três em
ponto, outras faltando pouco, ou passando um pouco.
Jamais havia prestado
atenção a isto; até o dia em que começou a ouvir sons estranhos,
como rugidos de animais ferozes.
Sentindo um arrepio
sempre que ouvia esses sons.
Passados alguns dias
deste estranho fenômeno, Marçal notou o horário: era sempre
aproximado às três da madrugada.
E os sons começavam a
ficar cada vez mais audíveis à medida em que os dias passavam:
rosnados, vozes abafadas, gemidos e gritos -bem ao fundo,
estrangulados.
Em busca de algo que
explicasse tão bizarra ocorrência, começou a pesquisar, a procurar
na internet. Encontrou referências a algumas religiões.
Mas quando procurou
representantes destas religiões, foi algo bem frustrante: quase
ninguém sabia dar explicação plausível, na verdade nem sabiam
sobre o que ele falava.
Todos, menos um padre,
que disse conhecer alguém que poderia ajudar.
Outro padre - já bem
idoso - que vivia em um convento, praticamente isolado e pouco
contato tinha com o mundo exterior.
Seria difícil
falar-lhe, foi-lhe advertido, mas ele precisava tentar.
O padre Jayme (assim se
chamava o que deu a informação) disse que tentaria contato.
Depois de muita
dificuldade conseguiu.
Ai! Melhor não
houvesse conseguido...
Foi ao encontro do tal
padre.
Chegando lá, não pode
negar (embora houvesse se esforçado) o susto ao vê-lo:
O sacerdote aparentava
ser bem mais velho do que realmente era, sua fisionomia mostrando
linhas de dor e sofrimento profundo.
Apresentaram-se e
Marçal começou o relato dos acontecimentos que o levaram ali.
Padre Anastácio fixou
seus olhos esgazeados em Marçal; olhou-o como se enxergasse-lhe a
alma, e perguntou:
--Filho,
tu realmente queres saber o que estes fatos significam? Estás
preparado para saber o que tenho pra revelar?
Marçal, com certa
relutância, respondera que sim.
Apesar do medo súbito
que tomou-lhe o ser, ele precisava saber.
Padre Anastácio
suspirou fundo, ajeitou-se numa cadeira - tão velha quanto ele - e
perguntou:
--Tu sabes a hora em
que Cristo morreu?
Marçal confessou não
saber: tinha uma ideia vaga de que fora à tarde, mas não sabia a
hora.
--Sexta
feira, na “Το
ένατο ώρα”,
como dito nos escritos gregos, a Nona Hora, ou 15 horas no sistema
atual, respondeu o padre. Quinze horas, ou 3 da tarde.
Percebes?
Marçal:
--Não entendi o porque
da pergunta.
--A
que horas você costuma ouvir os sons? Perguntou
padre Anastácio.
--Três
da madrugada. Respondeu
Marçal.
--Vês
alguma ligação? Algo familiar? Questionou
Pe. Anastácio.
E continuou:
--Os demônios
satirizam o sacrifício de Nosso Senhor e usam este horário, três
horas da madrugada, para festejarem, para se alegrarem em regozijo.
Aproveitam para
andar pelas ruas, assustando quem por elas anda desavisado e fora de
hora.
Algumas pessoas são
mais suscetíveis a isto e acabam acordando perto deste horário,
acabam ouvindo coisas. E, com o tempo, acabam vendo coisas...
Os sons que tens
ouvido nada mais são que demônios expressando seu ódio e todo seu
desespero: se arrastando pelas ruas.
Eu aviso: quando tu
começares a vê-los, eles também ver-te-ão, e passarão a
procurá-lo para se exibirem e o atormentarem com tal exibição.
Não sei se é o que
esperavas ouvir, mas é o que tenho para a dizer.
Infelizmente.
Percebendo o terror nos
olhos de Marçal, Pe. Anastácio, com um suspiro que pareceu um
lamento agonizante, continuou:
--Com o passar do
tempo, tu não somente os ouvirás, mas também verás coisas que tua
mente jamais imaginou existir.
Agora tu sabes a
razão de eu estar aqui; isolado e protegido neste convento: Somente
terreno sagrado os detém! Apenas o Espaço de Adoração os pode
impedir!
Durante muito tempo
Marçal apenas ouvia os sons, cada vez mais altos, mais nítidos. E
orava noites a fio, implorando jamais vê-los...
Finalmente, uma noite,
começou a vê-los e não conseguiu mais dormir: o medo de acordar e
defrontá-los, imenso. Experimentou soporíferos – em vão – pois
sempre acordava à Hora Nefasta.
Há noites não dorme.
O que viu é algo
aterrador, que ele deseja jamais ver novamente.
Hoje, Marçal está de
mudança para o Convento e dividirá o quarto com o padre Anastácio.
Por medo e terror,
pediu auxílio a um primo seu Pe. Lucindo.
Os demônios são
impossíveis de descrição.
São o mal encarnado.
São o ódio vivo.
Existem.
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